Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários: Uma Novidade Digna de Realce

por Ireneu Matamba em 18 de Apr, 2025 Artigo
428 leituras
Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários: Uma Novidade Digna de Realce

No dia 16 de Abril de 2025, foi instituída a Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários e definidos as normas e princípios sobre o seu funcionamento. Tal representa um enorme ganho, pois permite a remoção dos entraves que até então existiam, para a obtenção de um direito fundiário.

O regime principal para a concessão, alteração ou extinção de direitos fundiários consta da Lei de Terras (Lei n.º 9/04, de 9 de Novembro), e é depois densificado por regras presentes em diversos regulamentos, com destaque para as constantes do Regulamento Geral de Concessão de Terrenos (Decreto n.º 58/07, de 13 de Julho).

A Lei de Terras e Regulamento Geral de Concessão de Terrenos representam, já, um avanço, no que a forma de constituição de direitos fundiários diz respeito.

Com efeito, ao invés da tradicional escritura pública – forma regra quando se trata de negócios sobre imóveis –, a celebração de negócios fundiários sobre os terrenos concedíveis passou a depender de documento escrito, designado de título de concessão, do qual constem, além dos demais elementos essenciais, a natureza do terreno concedido, o tipo de direito fundiário transmitido ou constituído, a data da transmissão ou da constituição, o prazo do contrato de concessão, a identificação da autoridade concedente, e, sendo caso disso, o preço e a imposto que hajam sido pagos, os direitos e os deveres dos concessionários, as sanções aplicáveis em caso de incumprimento e as causas de extinção do direito fundiário (ver artigos 59.º, 49.º, 48.º, n.º 7, todos da Lei de Terras e 145.º do Regulamento Geral de Concessão de Terrenos).

Todavia, por existirem ainda várias entidades públicas intervenientes no processo, o mesmo apresenta-se burocrático e nada eficaz, causando prejuízos não apenas aos particulares que necessitam ou pretendem regularizar a situação jurídica dos seus terrenos, para ulterior registo das benfeitorias feitas sobre os mesmos (edificações), mas também para o Estado, que deixa de obter receitas importantes, a título de impostos sobre os referidos imóveis (terrenos e benfeitorias sobre os mesmos), já para não falar dos valores das taxas devidas pelos procedimentos visando a celebração de negócios fundiários, que  seriam importantíssimas para a satisfação das necessidades da colectividade.

Com a instituição da Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários, o requerente da concessão de direito fundiário passa a contar com um regime muito melhor, porque menos burocrático, mais célere e eficaz.

Com efeito, o requerente interage apenas com uma entidade pública interveniente, a administração municipal, independentemente de ser a entidade concedente, ou não, do direito fundiário (princípio do contacto único – artigo 4.º, alínea a. e artigo 7.º, ambos do Decreto Presidencial n.º 84/25, de 16 de Abril), pois os vários serviços públicos intervenientes devem interagir entre si (princípio da relação oficiosa entre os serviços públicos, artigo 4.º, alínea b. do Decreto Presidencial n.º 84/25, de 16 de Abril).

Dentre as principais novidades do diploma em análise, destacam-se:

  1. a criação de requerimento unificado, electrónico ou físico, com o qual é feito o pedido de concessão de direito fundiário (artigo 8.º, alínea a. e artigo 7.º);
  2. a redução dos elementos que devem instruir o acto ao sobredito requerimento, documento de identificação pessoal ou documento que ateste a existência da pessoa colectiva e plano de aproveitamento do terreno (artigo 8.º)
  3. a possibilidade de dispensa de actos como a vistoria (artigo 13.º), a demarcação (artigo 14.º), num caso e outro desde que os direitos fundiários solicitados incidam sobre terrenos loteados pelas autoridades competentes, bem como no caso de terrenos edificados, para efeitos de regularização jurídica, no caso de demarcação prévia;
  4. o facto de entidade concedente do direito fundiário interagir oficiosamente com
    1. a Administração Geral Tributária (AGT), para efeitos de inscrição e emissão da matriz predial, pagamento do imposto correspondente e averbamento do nome do titular do direito fundiário na matriz predial (artigos 16.º e 19.º, n.º 2),
    2. a conservatória do registo predial, para efeitos de registo predial do direito fundiário em questão (abertura de descrição, se necessária e inscrição dos direitos e ou ónus, correspondentes),
    3. bem como com autoridade cadastral (por agora o IGCA), para efeito de registo e emissão da certidão cadastral, em qualquer caso sempre depois de o interessado pagar as taxas correspondentes;
  5. a eliminação da declaração de sujeição às leis angolanas (artigo 22.º, alínea a.);
  6. a eliminação da apresentação do Certificado de Registo de Investimento Privado (artigo 22.º, alínea b.), aliás, em consonância com o princípio geral que já decorre da Lei do Investimento Privado (artigo 36.º, n.º 2 da LIP);
  7. a sujeição dos processos em curso (em tratamento) e com pagamentos efectuados às regras e tramitação previstos no Regulamento sobre a Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários (artigo 24.º);
  8. redução em 50% das taxas e emolumentos devidos pela regularização jurídica de imóveis para todas as entidades, singulares ou colectivas, que aderirem a campanha massiva de regularização, no prazo de 1 ano (artigo 23.º).

Por fim, não obstante vigorar o princípio da desmaterialização do procedimento, isto é, da prática de actos pela via electrónica (artigos 4.º, alínea f., 7.º), admite-se a tramitação física dos processos de concessão nas localidades onde ainda não existam condições técnicas e tecnológicas para a implementação e funcionamento da Janela Única de Concessão de Direito Fundiário, de acordo com o princípio do gradualismo (artigo 25.º e 4.º, alínea e.).

Que a campanha massiva de regularização comece e que o endereço electrónico seja amplamente divulgado, para bem de todos os interessados.

Bem haja e oxalá a implementação da Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários seja rigorosa e no estreito cumprimento das orientações resultantes do Decreto Presidencial sub judice.

Ireneu Matamba

Ireneu Matamba

Mestre em direito pela Universidade do Minho; Aluno do Doutoramento em Direito Civil na UBA; Pós-graduado em direito das sociedades comerciais; Pós-graduado em direito do trabalho e segurança social; Co-fundador do portal Matamba - Direito & Tecnologia; Ex Director Geral do Guiché Único da Empresa; Ex Director Nacional de Identificação, Registos e Notariado; Docente universitário há 16 anos; Consultor jurídico (direito comercial, direito das sociedades comerciais, direito da família e sucessões e direito dos registos e notariado).

Áreas
Direito Imobiliário

Palavras-chave
Direitos fundiários Regularização Janela única
Partilhe nas redes sociais

Comentários (2)

  • Augusta Baptista Odigie
    Augusta Baptista Odigie Cerca de 30 dias atrás

    Excelente iniciativa! A criação da Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários representa um avanço significativo na desburocratização e na segurança jurídica das relações fundiárias no país. É animador ver medidas concretas que favorecem a regularização de terras e promovem maior eficiência administrativa. Sem dúvida, uma novidade digna de realce!

  • Jocelina Sebastião Martins de Sousa
    Jocelina Sebastião Martins de Sousa Cerca de 30 dias atrás

    Parece-me ser um avanço muito positivo e promissor para simplificar e agilizar um processo tão importante.

Enviar Comentário